segunda-feira, 26 de outubro de 2015

Reforma da Educação em Curso

Por Atanásio Mykonios


Em 1968 houve uma reforma educacional. O governo mudou drasticamente o caminho da formação até então marcado por um processo de aproximação e diálogo com as sociedades. Isto significava não apenas uma censura, sobretudo representava a exclusão de todas as condições de reflexão, de crítica e engajamento que principalmente as universidades haviam exercido. Os problemas do Brasil e do “homem brasileiro” estavam na formação, no ensino e nas escolhas pedagógicas. Em outras palavras, a formação dos estudantes levava em conta a história, a antropologia, a filosofia, a sociologia e psicologia. Até profissões técnicas passavam por esse crivo crítico.

Conhecer a realidade social era uma questão de construção das condições em que essa realidade se impunha. Até um engenheiro deveria saber de sua realidade ao construir pontes e estradas.

A partir de 1968, houve um corte radical. O que interessava era uma formação eminentemente técnica. Houve um rebaixamento na qualidade do ensino universitário. As universidades tiveram uma baixa estrutural, foram burocratizadas a fim de haver maior controle. Elas passaram a ser niveladas aos bons cursos técnicos fora do país.

Gerações de técnicos foram formadas a partir de então. O que importava para o currículo eram apenas e tão-somente os saberes técnicos necessários para o exercício de uma boa profissão. Assim, milhões foram adestrados a cumprirem exclusivamente determinações técnicas relativas ao seu ofício.

Nada de política, nada de crítica, nada de reflexão. O que importava era a boa disciplina para aprender – o bom aluno era aquele que se dedicava aos estudos de forma pragmática, sem pestanejar a fim de seguir seu caminho e ser alguém na vida. Ou seja, uma exclusão total da dialética do real!

De certa forma, o que ocorre hoje é a repetição desse processo. Nada de história, nada de filosofia, nada de ciências sociais. Tudo isso é balela para grupos fundamentalistas e autoritários. Os problemas sociais não devem ser tratados em absoluto. Ao contrário, esses problemas são suscitados como forma de provocação “ideológica”, vindos do campo da esquerda. Como, ao que tudo indica, não teremos uma nova ditadura (ao menos isso não se avizinha no horizonte próximo), os grupos reacionários querem novamente impor uma formação estritamente técnica.

Para esses grupos não há necessidade de aprofundamento das condições da realidade social no âmbito acadêmico, em especial. Tudo isso é balela, o que importa é o domínio da técnica, aliado ao adestramento, à obediência, ao controle e à eficiência capitalista.


É bem verdade que os atuais governantes não se preocupam muito com essa questão. Para os capitalistas, o que importa é a eficiência produtiva da formação sistematizada em forma de educação regular. E assim esse grupos se aproveitar para arrancarem seus nacos de poder e reproduzirem a história numa roda-viva positivista pós-moderna.

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

TV e Utopia

Atanásio Mykonios


Nada em nossa cultura pode existir sem a TV. Muito foi dito, escrito e refletido acerca do maior fenômeno de comunicação da história humana. Muitos se perguntam se cabe à TV exercer o papel educativo imaginado pela escola funcional e formal da modernidade. o senso comum parece desconfiar da missão hercúlea da TV em formar as mentes e almas dos indivíduos. A TV se torno um elemento constitutivo da cultura, tanto mais importante do que qualquer veículo de comunicação. O privilégio ainda é da TV e penso que será por longo tempo, as massas são informadas pela TV, o melhor e mais fácil acesso ao entretenimento se faz pela TV. Valores, tradição, comércio, publicidade, tudo isso recheado de contadores de história. Filmes, novelas, documentários, tele-teatro, celebrações religiosas, esporte.
Alguns acreditam que a vida é escondida pela TV. O mundo é, por um lado, apresentado de forma crua e real, mas, no lado oposto, ele é construído por meio de imagens que saltam aos olhos de sorte que outros mundos são refletidos a partir do que é exibido. Incrivelmente, todos seguem as ideias apresentadas pela TV e sobretudo, somos capazes de informar nosso corpo e nosso cérebro com imagens que se tornam verdadeiras, no sentido de que é bom que sejam verdadeiras, como os sonhos de um mundo que não existe concretamente, mas pode ser que em algum lugar no futuro ele se torne realidade.

Por isso, a TV é o lugar sem lugar, a visão do que está por vir sem nunca existir, o estado de espírito que converge para abstração absoluta de ideias e visões que clarificam o impossível como fonte de realização do ser humano.
Sim, para além da ciência, do escrutínio das teorias e o certame da vida competitiva, há um sonho que a TV nos propõe, é o lugar u-tópico, que não se toca, é visto à distância, na memória fugidia de uma espécie de ânsia por realização plena do ideal humano.

Me parece que a TV é a plena consubstanciação do ideal platônico, do hiper-céu, do lugar acima de todos os lugares, o cume e o ápice das visões totais da existência. Ela aponta para isso de forma a nos envolver sem que tenhamos certeza de que alcançaremos o lugar sem lugar.
E ao apontar revela a estupidez e a brutalidade reificadas diariamente no imenso palco a ser desvendado nas suas minúcias mais irrelevantes. O palco da nossa própria condição humana, por milhares de anos encoberta pela vastidão das solidões que nos ensinavam sobre nós mesmos. Agora, somos luzes nesse palco anônimo, em algum momento seremos descobertos e surgiremos altivos no contexto das imagens fortuitas.

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Automóveis versus seres humanos

Atanásio Mykonios


3 de fevereiro de 2012. Canal Globo News. Por volta das 11 horas, começa um debate sobre o problema dos estacionamentos nas grandes cidades.
Dois convidados são apresentados. Um representante das empresas de estacionamentos, direto de São Paulo e um urbanista da UFRJ, no estúdio da Globo News. Dois jornalistas são os anfitriões no estúdio.
A reportagem dá início com o exorbitante preço cobrado dos usuários no Rio de Janeiro e São Paulo pelos estacionamentos, em comparação com capitais menos populosas. Alem disso, o achaque dos guardadores de carro em várias situações. Na sequência, começam as observações dos convidados com a mediação dos apresentadores.
Percebe-se que o representante dos estacionamentos dirige seu pensamento para a liberdade de mercado e especialmente para a grande regra estabelecida por Adam Smith, a lei da oferta e da procura. Ato contínuo, responsabiliza os poderes públicos pela falta de planejamento estratégico quanto aos espaços a serem utilizados para o estacionamento dos automóveis na cidade de São Paulo. Ele defende o uso e a circulação de automóveis no centro das grandes cidades.
Os jornalistas insistem quanto aos preços abusivos praticados tanto pelos estacionamentos regulares quanto pelos flanelinhas. O representante segue se esquivando das perguntas e reporta o problema ao Estado.
Mas, de forma bem sutil, o representante das empresas de estacionamento defende a todo custo o mercado, mas não consegue fazê-lo de forma escancarada, para tanto, se vale de argumentos sociais como o empobrecimento de regiões onde a circulação de veículos deixou de existir ou que foi reprimida por vários motivos, criando bolsões de precariedade no âmbito da atividade econômica.


No contraponto, o urbanista insiste em duas coisas: em primeiro lugar, na necessidade de planejamento das cidades, planejamento estratégico e político, e por outro lado, coloca a questão da necessidade premente do transporte de massa – trens e metropolitanos. Em alguns momentos, o urbanista traça uma crítica ao modelo de desenvolvimento nacional baseado na produção em massa de carros.
O mesmo urbanista amplia a reflexão e procura trazer à tona outros elementos que devem compor as estratégias das grandes cidades – a educação, a distribuição das atividades econômicas na cidade, o acesso, etc.
Enquanto isso, o programa chamava repórteres em várias cidades, Belém, Palmas, São Paulo, Rio de Janeiro, todos ao vivo. O problema do aumento da frota de automóveis era o pano de fundo juntamente com a infra-estrutura urbana precária e que remetia, implicitamente, o problema ao planejamento equivocado das prefeituras e governos de estado.
É possível, diante desse quadro, estabelecer o seguinte.
O Programa parece ter assumido uma espécie de defesa social dos consumidores, vislumbrando o bem social, ou, dito de outro modo, o bem comum, especialmente na tentativa de encontrar um meio termo entre os dois debatedores. De certa forma, assumiu o papel de mediador, como fosse o Estado a arbitrar a questão em vigência.
Como prática jornalística, o programa pretende ouvir, ao que parece, os lados envolvidos, como se estivesse acima dos conflitos ali estabelecidos. Um discurso de comprometimento com o que se mostra sem qualquer sentido objetivo.
O mais importante foi perceber que, nessa contenda, por mais fracos que tivessem sido os argumentos do representante das empresas de estacionamentos de São Paulo, o que está em jogo é a lógica do mercado e esta tem, historicamente, prevalecido diante de todos os interesses sociais, não importando as condições de articulação política dos indivíduos, das instituições e das organizações sociais mobilizadas.
Por outro lado, o problema aventado pelo urbanista revela a crítica, não radical, e sim superficial, do próprio sistema produtor de mercadorias e em última análise, temos de considerar que estamos diante de um conflito no qual o pressuposto determinado nessa realidade é que a produção de mercadorias deverá se impor, mesmo que haja uma resistência pública das consequências sociais para o meio urbano e o meio-ambiente.
Nisto, é preciso reconhecer que o pressuposto que conduz as decisões e as relações sociais não é, efetivamente, o bem-estar dos seres humanos, mas o interesse cego da expansão de mercadorias e sua colonização da vida em todos os sentidos. Por exemplo, em Belém, houve um aumento de 100 para 500 mil veículos em poucos anos. Obviamente isso cria um estrangulamento do acesso dos indivíduos na sua circulação na veias da cidade.
Mais interessante ainda é o fato de que, nos intervalos do programa, um dos patrocinadores é uma montadora de veículos importados. Ironia extrema desse debate que, de uma forma ou outra, cai no vazio porque a contradição exposta não é enfrentada, é manifestamente escamoteada em favor de elementos abstratos, sem qualquer ligação com a realidade caótica em que o capitalismo se instaura na vida cotidiana.
O aspecto caótico com que o capitalismo se faz nos mostra que os conflitos de interesses são decididos, não pela vontade pública ou pela vontade política, mas pela vontade dos agentes e representantes da ordem econômica e que impõem ao Estado o que deve ser efetivado.
Eis aqui mais um exemplo em que a TV se vê ao mesmo tempo vítima do processo econômico, porque procura encarar o problema com posicionamentos aparentemente humanos e de interesse social, mas não consegue se sobrepor, uma vez que é sustentada pelo próprio mercado que devora a vida social.
Isto nos mostra, também, a hipocrisia com que as divergências postas pelo mercado são tratadas, pois ela é levada a manter um verniz civilizador que não atinge em absoluto as reais relações de produção de mercadorias, no caso, a produção desenfreada de carros, fundamento da expansão da economia brasileira, instituída pelos últimos governos.

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Instituições televisivas

Atanásio Mykonios

O mundo foi inicialmente visto pela TV e a TV absorveu o mundo. Incrivelmente, a TV se apropriou de uma forma de cultura e a mundializou. Mundializou todas as culturas. Industrializou a tradição, a cultura, os costumes e os transformou em imagem. Imagem que fala e que condensa as percepções. Pelo olhar de uma câmera, se esconderam as formas sociais reveladas em forma de um espetáculo necessário.
E as culturas falaram por meio de suas instituições.
No seu caminho pela transformação do mundo em um mundo televisivo, as instituições se deixam penetrar pela TV. É a TV que fala pelas instituições, mesmo a contragosto, as instituições são tragadas para dentro da TV de tal forma que seu discurso se esvazia no âmbito da informação e da notícia. Além disso, constata-se que o patrulhamento social sobre os indivíduos aumenta à medida que a TV é transformada em porta-voz das instituições sociais.
Mas, no grande caldo em que se faz a TV, a contradição entre as instituições e seus interesses sociais se apresenta também como um imenso espetáculo, num confronto em que, ao final, a venda do produto e dos programas é que determina sua condição. No entanto, as instituições não se mostram efetivamente como são. No cotidiano dos cidadãos, as instituições apenas reproduzem a forma e não o conteúdo de si mesmas. Não podem fazê-lo porque seriam desmascaradas no que há de mais terrível e burocrático, nelas mesmas. Então, a TV serve às instituições no que elas têm de pior, a sua imagem pública e não mais do que isso.